Antônio Rodrigues de Lemos Augusto, advogado no escritório Abreu Advogados e Assessoria Jurídica, em Cuiabá
A Lei 12.607, de 04 de abril de 2012, faz importante alteração no Código Civil, modificando o §1º, do artigo 1.331. A alteração teve o objetivo de colocar um fim em uma ampla discussão doutrinária, com reflexos na jurisprudência, sobre o direito do proprietário de um imóvel em condomínio edilício dispor livremente de sua garagem para terceiros, estranhos ao mesmo prédio. Até então, com base no direito constitucional de propriedade, muitos entendiam que o silêncio da convenção condominial era um passaporte para o proprietário dispor dessa garagem, principalmente via locação, para qualquer um, inclusive não moradores. O tema era polêmico, com disposições diversas.
A alteração na lei coloca, aparentemente, um ponto final na discussão. O novo texto diz:
As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio.
Agora está claro: o silêncio da convenção condominial é uma restrição à alienação ou gravame da garagem em separado. Em relação ao gravame, significa que a restrição impede, por exemplo, que a garagem, isoladamente, seja oferecida em garantia a um negócio qualquer, na forma de hipoteca, sem autorização expressa na convenção do condomínio. Ou, ainda, que a garagem - separadamente - seja objeto de contrato de direito real de uso ou de usufruto, caso o proprietário não consiga a autorização expressa condominial.
A posição do legislador, de certa forma, é um restritivo ao direito de propriedade. Particularmente, entendo como correta, porque fica claramente demonstrada a opção do legislador pela segurança daqueles ligados ao condomínio, controlando de forma mais clara o acesso de estranhos ao empreendimento. Também não há em se falar de inconstitucionalidade, até porque o direito de propriedade não é absoluto, estando limitado por várias normas e princípios, inclusive de cunho constitucional, como é o caso da função social.
Resta lembrar, claro, que a mudança não afeta o ato jurídico perfeito, não retroagindo para ferir contratos em vigor.
Por fim, a alteração pode gerar reflexos em outra seara. A jurisprudência admite a penhora de garagem isoladamente ao imóvel, caso tenha matrícula própria, não entendendo a vaga do veículo como pertencente ao bem de família. Esse tipo de penhora pode inserir, no condomínio, alguém estranho a ele. Penso que, com a alteração no Código Civil, se a convenção do condomínio autoriza expressamente que o proprietário disponha ou faça o gravame em separado da garagem, não há em se falar de impossibilidade da penhora dessa garagem, já que os próprios condôminos demonstraram, pela regra condominial, que o acesso de estranho a esse bem não é um incômodo.
Por outro lado, se a convenção condominial não trás o dispositivo autorizando o gravame ou disposição de garagem em separado a estranhos, penso que há reflexos em um processo de execução civil, inviabilizando-se a penhora dessa garagem mesmo com matrícula própria, já que, pelo mecanismo da execução do bem, abrir-se-ia a possibilidade de um estranho ter acesso ao empreendimento. Enfatizo que a inviabilidade não é em razão do devedor, mas porque feriria o direito dos demais condôminos em não ter estranho adentrando no prédio por ter conquistado a garagem em razão de penhora. Polêmico, claro... E, por isso, um bom tema para se observar na futura jurisprudência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente este texto: