Quem milita na advocacia tributária certamente já se
deparou com decisões administrativas do Fisco ignorando a aplicação do art.
150, §4, CTN, para reconhecimento de decadência nos tributos lançados por
homologação. Frequentemente, o Fisco afasta o art. 150, §4, CTN, pelo qual o
termo a quo da decadência se dá a
partir do fato gerador, e aplica o art. 173, I, em que o termo a quo é o primeiro dia do exercício
seguinte ao que o lançamento poderia ter sido efetuado. O que muitos
contribuintes não sabem é que há jurisprudência forte do STJ que costuma ser
pisoteada pelo Fisco. É justamente a intenção deste artigo realçar tal
jurisprudência, reconhecida pelo juízo de 1º grau.
O CTN trata do instituto da decadência para os
tributos lançados por homologação em dois momentos. Vejamos:
Primeiro momento: Art. 150, §§ 1º e 4º, CTN:
Art. 150. O
lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação
atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da
autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade,
tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a
homologa.
§ 1º O
pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito,
sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
(...)
§ 4º Se a
lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da
ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública
se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente
extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou
simulação."
Segundo momento: art. 173, I e II, CTN:.
Art. 173. O direito
de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco)
anos, contados:
I - do
primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido
efetuado;
II - da data
em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o
lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo
único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o
decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a
constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de
qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento."
Ressalta-se que os artigos citados não são complementares, pelo
contrário: são excludentes entre si.
Assim, tenha o fisco conhecimento ou não, real
ou presumido, do termo inicial do fato gerador, a inércia acarreta a perda do
direito do Estado em constituir o crédito tributário, sem necessidade de uma
exegese mais sofisticada.
Deste modo, se a modalidade de lançamento é
por homologação e o contribuinte antecipa o pagamento, corretamente ou a
menor, o termo inicial da contagem do prazo decadencial se dá na data
de ocorrência do fato gerador, conforme o disposto no art. 150, § 4º do CTN,
pois o fisco tem conhecimento da ocorrência do fato gerador. Ora, se o Fisco
recebeu o dinheiro do contribuinte, obviamente está informado sobre o fato
gerador e tem como analisar se o pagamento está ou não adequado, inclusive por
DEVER DE OFÍCIO.
Por outro
lado, em não havendo a antecipação do pagamento, o fisco não tem como conhecer
a data do fato gerador e, assim, o prazo inicial da decadência será contado a
partir do primeiro dia do ano seguinte em que o lançamento deveria ter sido
efetuado, conforme o art. 173, inciso I do CTN.
Vejamos a
jurisprudência do STJ, julgamento de 23 de abril de 2009, no AgRg no REsp 1044953
/ SP, tendo, como relator, o ministro Luiz Fux, hoje no STF. Diz o ministro:
A decadência
do direito de lançar do Fisco, em se tratando de tributo sujeito a lançamento
por homologação, quando ocorre pagamento
antecipado inferior ao efetivamente devido, sem que o contribuinte tenha
incorrido em fraude, dolo ou simulação, nem sido notificado pelo Fisco de
quaisquer medidas preparatórias, obedece a regra prevista na primeira parte do
§ 4º, do artigo 150, do Codex Tributário, segundo o qual, se a lei não fixar prazo a homologação,
será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador:
"Neste caso, concorre a contagem do prazo para o Fisco homologar
expressamente o pagamento antecipado, concomitantemente, com o prazo para o
Fisco, no caso de não homologação, empreender o
correspondente lançamento tributário. Sendo assim, no termo final desse
período, consolidam-se simultaneamente a homologação
tácita, a perda do direito de homologar expressamente e, conseqüentemente, a
impossibilidade jurídica de lançar de ofício" (In Decadência e Prescrição no Direito Tributário, Eurico
Marcos Diniz de Santi, 3ª Ed., Max Limonad , pág. 170). (Grifamos)
Outras decisões vieram após esta.
Observem que o ministro, na decisão supra, ainda cita o
doutrinador Eurico Marcos Dinis de Santi.
Em outra
jurisprudência, diz a ministra Eliana Calmon, do STJ:
“Nas exações cujo lançamento se faz por homologação,
havendo pagamento antecipado, conta-se o prazo decadencial a partir da
ocorrência do fato gerador (art. 150, §4º, do CTN). Somente quando não há
pagamento antecipado, ou há prova de fraude, dolo ou simulação é que se aplica
o disposto no art. 173, I, do CTN. (...) – (STJ, 2ª T., AgRg no Ag.
939.714/RS).
Essencial ainda os
ensinamentos de Gabriel Lacerda Troianelli, citado por Leandro Paulsen, na obra
Direito Tributário, 11ª Edição, página 1037:
“(...)
o que se homologa é a atividade de apuração do tributo efetuada pelo sujeito
passivo, e não o pagamento do tributo, que pode, como já vimos, nem mesmo
ocorrer, se o contribuinte, no período de apuração, por exemplo, não praticar
fato gerador, ou, mesmo tendo tributo devido, contar com créditos compensáveis
ou prejuízos que resultem no não-pagamento efetivo de tributo. Conclui-se, assim, que não é necessária a
existência de pagamento para que se opere a decadência mediante a homologação
tácita de que trata o artigo 150, parágrafo 4º do Código Tributário Nacional,
bastando, para tanto, que o sujeito passivo tenha efetuado regularmente a
atividade de apuração do tributo devido (se houver), com o correspondente
registro ou entrega de declaração, na forma que estabelecer a legislação
pertinente.” (Grifamos)
Para colocar a pá de cal, observamos o que diz a obra
Código Tributário Nacional Comentado, organizado por Vladimir Passos de
Freitas, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, página 641, comentando o
art. 150, CTN:
“Segundo o §4º, se a Fazenda Pública
não proceder à expressa homologação dentro desse prazo, considera-se homologado
o lançamento e definitivamente extinto o crédito. (...) O transcurso do prazo,
sem nenhum pronunciamento da Fazenda Pública quanto à homologação, ou não, tem
como consequência não só a homologação ficta, mas também a extinção definitiva
do crédito tributário (...). Como
consequência, estará igualmente extinto o direito de a Fazenda Pública efetuar
o lançamento de ofício pelas diferenças que, devidas, não foram pagas”.
Há sim decadência nos tributos que tiveram valores
recolhidos em prazo superior a cinco anos da ocorrência do fato gerador.
E esta é a posição do STJ, o órgão que interpreta a legislação federal do país,
interpretação esta que deve ser seguida pela administração pública, pelo
princípio da legalidade.
Em decisão liminar recente, maio de 2014, do
Judiciário de Mato Grosso, o juiz da 4ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de
Cuiabá assim se manifestou em Ação Anulatória de nossa autoria:
Já no que tange à decadência
do direito ao lançamento de impostos sujeitos à homologação – como é o caso do
ICMS –, o Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua mais recente
jurisprudência, firmou entendimentos distintos.
Segundo a Corte Superior,
em se tratando de casos em que o contribuinte tem o dever de antecipar o
pagamento do imposto sem que haja o prévio exame da autoridade administrativa,
caso se apure o remanescente do imposto, nos casos de recolhimento a menor, o
prazo decadencial para o lançamento deve ser contado da ocorrência do fato
gerador, nos termos do artigo 150, § 4º do CTN; todavia, nos casos em que a lei
não prevê a necessidade do pagamento antecipado ou, a despeito da existência de
previsão legal, não há o pagamento, o prazo decadencial deve ser contado na
forma do artigo 173, I, do CTN, o qual prevê que o prazo decadencial tem início
no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter
sido efetuado.
Portanto, se o contribuinte recolheu tributos por
lançamento e, posteriormente, o Fisco apontou que tal recolhimento era
insuficiente, deve-se observar se ocorreu a decadência nos termos do art. 150,
§4º, CTN, a contar do fato gerador, a menos que tenha havido dolo, fraude ou
simulação, situação que compete ao Fisco provar.
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