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terça-feira, 5 de agosto de 2014

As comuns imputações genéricas nas ações de improbidade administrativa, em ofensa à ampla defesa


Por Antonio Carlos de Abreu, Thiany Barros de Abreu e Antônio Rodrigues de Lemos Augusto, advogados do escritório Abreu Advogados – Assessoria Jurídica, em Cuiabá-MT. E-mail: advogadosabreu@gmail.com
 Temos visto algumas iniciais do Ministério Público, em ações de improbidade administrativa, em que se requer as pesadas sanções da Lei 8.429/92, porém utilizando-se de acusações genéricas, mal fundamentadas e que não condizem com o que se espera de um promotor de Justiça na defesa da Constituição Federal. O resultado, não raro, é - após anos de processo - a absolvição do réu. Porém, como lembramos, o Ministério Público perde a ação, mas arrasa com a vida do processado, que passa todo o tempo do andamento processual temendo por seu futuro e, ao final, sequer tem direito a ver a Promotoria condenada em honorários.
 Um exemplo claro: Ações em que se requer a aplicação, em face dos réus, das sanções do artigo 12, incisos I, II e III, da lei nº 8.429/92, com todas as cominações correspondentes”. Preliminarmente, a lei é clara que, para se aplicar o artigo 12, I, deve ter havido a subsunção a alguma parte do artigo 9º e incisos. O mesmo se diz do art. 12, II, em relação ao art. 10 e incisos. Por fim, não se há de falar em punição pelo artigo 12, III, se a Inicial não indica, com clareza, qual parte do art. 11 e incisos foi maculada pelo réu.
No entanto, ao se ler a Inicial, não raro observamos que o MP não aponta explicitamente qual parte dos artigos 9, 10 e 11, da Lei 8.429/92, e de seus muitos incisos, foram infringidos pelo réu. Muitas vezes, a Inicial cumpre somente em parte o dever de realizar a subsunção, mas – ao pedir – o promotor requer que se puna pelos três incisos do artigo 12, em verdadeira afronta ao princípio constitucional da ampla defesa. O Ministério Público não pode fazer Inicial genérica, como bem sabe (até por dever de ofício) o douto promotor.
Assim diz a jurisprudência recente do STJ:
"[...] Embora o extenso acórdão tenha feito menção a atos que importaram na violação simultânea aos arts. 9º, 10 e 11 da Lei n. 8.429/92, ficou registrado no tópico da aplicação das sanções que as condutas dos réus foram finalmente enquadradas apenas no art. 10, incs. I e XII, deste diploma normativo (fl. 1.966). 4. Assim sendo, são aplicáveis, na hipótese, as penas do art. 12, inc. II, da Lei n. 8.429/92, nos limites em que lá previstos, vale dizer, no ponto que importa, no limite de cinco anos, sob pena de não-observância da Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal. [...]" (Grifamos - REsp 1016235 SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 28/06/2010)
O acórdão supra é nítido em apontar que, como as condutas dos réus naquela ação foram enquadradas apenas em incisos do art. 10, cabia somente a aplicação de punições do art. 12, em seu inciso II. Ainda da lavra do STJ:
"[...] As ações judiciais fundadas em dispositivos legais insertos no domínio do Direito Sancionador, o ramo do Direito Público que formula os princípios, as normas e as regras de aplicação na atividade estatal punitiva de crimes e de outros ilícitos, devem observar um rito que lhe é peculiar, o qual prevê, tratando-se de ação de imputação de ato de improbidade administrativa, a exigência de que a petição inicial, além das formalidades previstas no art. 282 do CPC, deva ser instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade [...], sendo certo que ação temerária, que não convença o Magistrado da existência do ato de improbidade ou da procedência do pedido, deverá ser rejeitada [...] 4. As ações sancionatórias [...] exigem, além das condições genéricas da ação (legitimidade das partes, o interesse e a possibilidade jurídica do pedido), a presença da justa causa, consubstanciada em elementos sólidos que permitem a constatação da tipicidade da conduta e a viabilidade da acusação. [...]"(REsp 952.351 RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/10/2012, DJe 22/10/2012)
Tal entendimento está presente em outros tribunais, como abaixo:
“Administrativo. Ato de improbidade. Lei nº 8.429/92. Atipicidade. (...) A fluidez do conceito de moralidade administrativa exige que seja o ato administrativo devidamente tipificado na Lei nº 8.429/92” (Grifamos - TRF-1ª Região, MS 96.01.04841-3/GO, 2ª Seção, DJ de 2.12.1996)
            O ministro do STJ, Cesar Asfor Rocha, em sua obra “Breves reflexões críticas sobre a ação de improbidade administrativa”, Editora Migalhas, 2012, analisa a questão:
 “Penso que a tipificação da conduta do agente, com a precisa indicação do dispositivo legal tido por vulnerado, deva constar claramente da peça que veicula a pretensão sancionatória (inicial da ação), sem o que a atividade persecutória poderá se extraviar em ilações e devaneios.” (Grifamos - páginas 162 e 163).
“Tenho visto, em não poucas ocasiões, que a defesa processual do imputado sofre prejuízos, à míngua desse elemento da imputação (da tipificação), porquanto certos argumentos defensivos somente podem ser eficazmente apresentados quando se conhece em plenitude a acusação, inclusive a sua classificação típica.” (página 163)
Realçamos que não estamos tratando de um processo penal, onde o mau costume do Ministério Público de não apresentar a tipologia adequada por vezes é suprida, a nosso ver de forma questionável, pelo magistrado. Sobre tal questão, assim se manifesta o ministro do STJ, Cesar Asfor Rocha:
 “Sou adepto convicto da ideia de que não cabe ao juiz exercer qualquer função acusatória e me atrevo a dizer que o pensamento em contrário, por mais sustentável que possa parecer, afronta não apenas o sistema acusatório (que já é um instituto público em si), mas também a própria lógica do razoável, indicando que permitir trâmite de ações sancionadoras com tipificação incerta é dar ao juiz uma carta branca para violar direitos subjetivos.” (página 168)
            Outro doutrinador, Mauro Roberto Gomes de Mattos, assim trata do tema na obra “O limite da improbidade administrativa”, Editora América Jurídica, 2ª Edição:
 “Portanto, há que estar configurada a devida tipicidade para que se prospere a ação de improbidade administrativa, sem a qual fica comprometida a via eleita pelo autor da ação, que não poderá enfraquecer a respectiva ação, alargando o seu leque para a contemplação de algo que a lei não atinge.” (Página 252)
Observamos que a sanha punitiva que se observa em determinados membros do Ministério Público não pode pisotear a Constituição da República. A defesa dos réus deve estar atenta para apontar, com rigor, já na peça preliminar, situações genéricas e sem a tipificação adequada. O defensor não pode ser tratado como se tivesse uma bola de cristal para adivinhar qual a subsunção que o membro do Ministério Público deseja. Por outro lado, a sociedade não pode tolerar que o Ministério Público tenha, em seus quadros, promotores que denunciem sem a técnica constitucional exigida, porque é dever do Ministério Público também a defesa da ordem jurídica e do regime democrático, conforme art. 127, CF.
Em síntese, a Inicial do Ministério Público será carente de justa causa em relação à punibilidade prevista no art. 12, I, II e III, da Lei 8.429/1992, quando não há descrição explícita dos artigos anteriores feridos, bem como de seus incisos maculados. E, a nosso ver, o juiz deve rejeitar a ação em tais situações.

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