STJ
“Cheguei à noite, por volta das 23h, e fiquei toda a madrugada esperando ser
direcionada para a sala de cirurgia. Comecei então a ficar preocupada, pois não
sentia mais o movimento do bebê. O dia amanheceu e só me falavam para esperar.
Fui informada por uma auxiliar de saúde que minha ficha de identificação tinha
desaparecido. Quando um médico veio conferir como estavam as grávidas do quarto
e chegou a hora de me examinar, ele não ouvia mais os batimentos cardíacos da
criança.”
A experiência foi descrita por Joeline Souza Falcão, moradora do Gama (DF).
Ela estava no oitavo mês de gravidez de sua segunda filha quando a bolsa
estourou. Perdia líquido aos poucos e tinha encaminhamento médico para a
cesariana, pois o bebê estava sentado. Após o primeiro médico examiná-la e não
escutar o coração do bebê, outro médico a encaminhou para uma ecografia e
constatou haver batimentos. “Caí em prantos, tentando me controlar, um misto de
alívio e angústia”, desabafou.
Mesmo com a indicação de cesariana de urgência, o anestesista não estava na
sala de cirurgia e Joeline precisou esperar por mais 20 minutos. Mas depois de
iniciado o parto, os sentimentos mudaram: “O choro tão esperado rompia o
silêncio da sala, senti um alívio imenso e a angústia pediu licença e foi
embora, dando lugar a uma alegria indescritível e à gratidão a Deus. Lá estava
ela, linda, amada e tão pequenina guerreira.”
Diante do desfecho feliz, Joeline nunca pensou em mover uma ação de reparação
pelo que lhe aconteceu. Mas essa não é a realidade das histórias que diariamente
chegam ao Judiciário. Situações que frustram expectativas criadas ao longo da
gestação, grávidas que encontram dificuldades para exercer seus direitos, casos
que envolvem negligência médica e até mesmo agressões físicas estão presentes na
rotina de julgamentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Na maior parte das discussões a respeito de verbas indenizatórias fixadas
pelas instâncias inferiores, o STJ tem registrado a impossibilidade de revisão
dos valores em virtude da Súmula 7. Em situações excepcionais, o
tribunal tem admitido o reexame desses valores, quando a reparação se mostra
irrisória ou exorbitante, distanciando-se da razoabilidade.
Fogo na sala de parto
Em agosto de 2013, a Segunda Turma decidiu majorar o valor da indenização por
danos morais e estéticos sofridos por uma mãe no momento do parto. Durante a
cirurgia cesariana, houve um curto circuito no bisturi elétrico, que provocou a
combustão do produto utilizado para a assepsia da parturiente. Ela sofreu
queimaduras de segundo e terceiro graus (REsp 1.386.389).
De acordo com o relator do recurso, ministro Herman Benjamin, além do
sofrimento físico e psicológico experimentado por qualquer pessoa que sofra
queimaduras de segundo e terceiro graus, “o caso revela ainda a particularidade
de os danos terem acontecido justamente no momento do parto, quando os naturais
sentimentos de ternura, de expectativa e de alegria foram substituídos pela dor,
pelo pânico e pelo terror de assistir ao próprio corpo pegar fogo, padecimento
agravado pela cogitação de que tais danos pudessem afetar a saúde ou integridade
física do bebê”.
Os ministros da Turma acordaram que não era razoável nem proporcional a
indenização de apenas R$ 25 mil a título de danos morais e de R$ 15 mil por
danos estéticos fixada na origem e decidiram majorar o dano moral para R$ 60 mil
e o estético para R$ 30 mil, “especialmente considerando os precedentes do STJ,
que, em casos semelhantes de queimaduras, entendeu razoáveis reparações
arbitradas em valor bastante superior” – lembrou Benjamin.
Células-tronco embrionárias
Tema bastante atual foi discutido na Terceira Turma em agosto de 2014. O
recurso tratou da possibilidade de reconhecimento de danos morais para um
recém-nascido em razão da falta de coleta das células-tronco de seu cordão
umbilical no único momento em que isso seria possível: a hora do parto
(REsp 1.291.247).
Os pais contrataram a empresa Cryopraxis Criobiologia para fazer a coleta e
armazenagem do material genético do filho para utilizá-lo em eventual tratamento
médico futuro. A empresa foi avisada sobre a data do parto, mas nenhum técnico
compareceu ao local para a coleta.
Os pais ajuizaram ação de indenização em nome próprio e também em nome do
bebê. A empresa alegou que não conseguiu chegar a tempo no local combinado, mas
que restituiu o valor adiantado pelo casal. Sustentou ainda que o descumprimento
do contrato não geraria reparação por danos morais.
A juíza de primeiro grau condenou a empresa ao pagamento de indenização no
valor de R$ 15 mil ao casal. Contudo, julgou improcedente o pedido feito em nome
da criança por considerar que o dano ao bebê seria apenas hipotético. Para ela,
só se poderia falar em dano concreto se futuramente a criança precisasse das
células-tronco embrionárias que não foram colhidas.
Perda de uma chance
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro aumentou a indenização para R$ 15 mil
a cada um dos genitores. Porém, manteve a improcedência da ação em favor do
bebê, por entender que ele não tinha “consciência necessária a potencializar a
ocorrência de um dano”. Afastou também a teoria da perda da chance, por não
haver probabilidade real de a criança necessitar do material genético, já que
nasceu saudável.
Ao STJ coube julgar se a criança poderia ou não ter sofrido dano. Segundo o
ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do recurso, a criança foi a
principal prejudicada pelo ato ilícito praticado pela empresa, “tendo,
naturalmente, direito à indenização pelo dano extrapatrimonial sofrido por ter
sido frustrada a chance de ter suas células embrionárias colhidas e armazenadas
para que, se eventualmente for preciso, fazer-se uso delas em tratamento de
saúde”.
O ministro explicou que se tratava de “caso claro” de aplicação da teoria da
perda de uma chance. Nesses casos, “o perdido, o frustrado, na realidade é a
chance, e não o benefício esperado como tal”, disse.
Sanseverino refutou o fundamento da sentença, de que o dano seria hipotético.
Afirmou que “não se exige do consumidor a prova da certeza do dano, mas a prova
da chance perdida”. Para ele, o certo é que a criança perdeu definitivamente a
chance de prevenir o tratamento de numerosas patologias consideradas incuráveis,
“sendo essa chance perdida o objeto da indenização”.
O caso dividiu o colegiado, cuja maioria concordou com o relator e condenou a
empresa a pagar indenização no valor de R$ 60 mil à criança.
Inobservância de regra técnica
Outra discussão envolvendo complicações na hora do parto foi travada na
Quinta Turma, no julgamento de habeas corpus impetrado por uma médica acusada da
morte de um bebê por inobservância de regra técnica da profissão (HC 228.998).
A mãe deu entrada no hospital às 13h com dores fortes. Ficou internada
durante todo o dia aguardando a realização do parto. A médica, que era
plantonista no hospital e atendeu a mãe durante o pré-natal, apenas orientava as
enfermeiras por telefone, para que observassem os batimentos cardíacos do feto e
aplicassem medicamento para aumentar a dilatação da paciente, que já tinha a
recomendação de cesariana.
Os batimentos permaneceram normais até 21h40, quando uma enfermeira avisou à
médica que não mais escutava os batimentos do bebê. A médica então foi para o
hospital e mobilizou a equipe para uma cesariana de urgência. O feto foi
retirado morto. A médica atestou como causa da morte: síndrome do cordão curto,
aspiração maciça e parada cardiorrespiratória.
No habeas corpus impetrado no STJ, a médica objetivava o trancamento da ação
penal ajuizada contra ela, alegando que a morte do feto havia se dado ainda no
útero. Sustentou que estariam diante de crime impossível, pois “não há falar em
crime de homicídio (doloso ou culposo) de feto natimorto”. Declarou ainda que a
vida humana, bem jurídico em questão, não poderia ter sofrido ofensa, pois o
feto já estava morto.
Homicídio culposo
De acordo com o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, os fatos descritos
na denúncia foram “claros e determinados, podendo caracterizar, pelo menos em
tese, o crime de homicídio culposo por inobservância de regra técnica”, pois
consta nos autos que a mãe já estava em trabalho de parto havia mais de oito
horas e os batimentos cardíacos foram monitorados por todo esse período até não
mais serem percebidos.
O ministro ressaltou que, iniciado o trabalho de parto, não se fala mais em
aborto, mas sim em homicídio ou infanticídio. Também, segundo ele, não é
necessário que o bebê tenha respirado para configurar o crime de homicídio.
Bellizze ressaltou que não vislumbrou a existência de constrangimento ilegal
que justificasse o encerramento prematuro da ação penal. Para o colegiado, o
trancamento da ação somente cabe “nas hipóteses em que se demonstrar, à luz da
evidência, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou outras
situações comprováveis de plano, suficientes para interromper antecipadamente a
persecução penal, circunstâncias que não se verificam no presente caso”.
Agressão a grávida
Situação semelhante à anterior foi julgada pela Sexta Turma do STJ. O
colegiado não conheceu do habeas corpus impetrado por um pai que, com intenção
de matar seu filho, golpeou a barriga da mãe no local onde o exame de ultrassom
realizado anteriormente demonstrou estar a cabeça do bebê (HC 85.298).
O pai pediu o trancamento da ação penal ajuizada contra ele sob a alegação de
que sua conduta foi tipificada como homicídio duplamente qualificado e lesão
corporal grave. Para ele, o caso seria de lesão corporal com aceleração de
parto. Sustentou que a conduta se deu antes do nascimento, não configurando
homicídio. Como a criança nasceu viva, também não seria caso de aborto.
De acordo com a relatora Marilza Maynard, a lesão corporal à mãe foi
produzida dolosamente, mas visando um resultado, que era a morte da criança.
“Assim, é possível identificar o suposto dolo de matar, resultado possível tanto
no delito de aborto quanto no de homicídio – ambos crimes contra a vida”,
afirmou. A relatora explicou que, como a criança nasceu viva, mas faleceu em
seguida em razão da agressão, o tipo deveria ser adequado para o crime de
homicídio consumado.
Por isso, o colegiado não verificou na tipificação da conduta falha apta a
justificar o trancamento da ação penal e entendeu que o caso deveria ser
submetido ao veredicto do tribunal do júri.
Feto desaparecido
Em outro julgamento (REsp 1.351.105), a Quarta Turma definiu que gera dano
moral, passível de indenização, a violação do dever de guarda do cadáver de feto
natimorto, “tendo em vista que provoca em seus familiares dor profunda com a
descoberta da ausência dos restos mortais, a frustrar o sepultamento de ente
querido, além de ensejar violação do direito à dignidade da pessoa morta”.
O recurso, relatado pelo ministro Raul Araújo, tratava do caso de uma mãe,
grávida de gêmeos, que deu à luz no Hospital Universitário da Faculdade de
Medicina de Marília (SP). Uma das crianças nasceu viva; a outra, morta. O corpo
do bebê foi encaminhado a um laboratório para que se descobrisse a causa da
morte e em seguida desapareceu, o que impossibilitou o sepultamento.
Passados dois anos, a mãe ajuizou ação de indenização contra o hospital pelo
desaparecimento do corpo do filho e pela falta de entrega do atestado de óbito.
Disse que possivelmente a faculdade teria utilizado o corpo de seu filho em
estudo e pesquisa.
Raul Araújo afirmou que a impossibilidade de sepultamento do próprio filho em
virtude do desaparecimento de seus restos mortais gerou ofensa a direito de
personalidade por violação à integridade moral. Os ministros entenderam que a
responsabilidade pela guarda do feto era do hospital, e não do laboratório para
onde havia sido levado.
Mesmo assim, o colegiado reduziu o valor da indenização a ser paga à mãe para
R$ 100 mil, por considerar que o valor de R$ 500 mil fixado pelo tribunal
estadual era exorbitante.
Dispensa durante licença
No RMS 26.107, a Sexta Turma reconheceu que as
servidoras públicas, incluídas as detentoras de função pública designada a
título precário, “possuem direito à licença-maternidade e à estabilidade
provisória, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto,
conforme o disposto nos artigos 7º, inciso XVIII, da Constituição Federal, e 10,
inciso II, alínea b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.
A decisão foi proferida no recurso de uma servidora dispensada de suas
atividades quando estava afastada por licença maternidade. Ela alegou que a
livre dispensa do servidor a título precário deveria ser interpretada com
ressalva durante o período de gestação, pois afrontaria textos
constitucionais.
Acompanhando o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, o colegiado
reconheceu que é assegurado às servidoras nessa condição o direito à indenização
correspondente às vantagens financeiras pelo período constitucional da
estabilidade. Garantiu, dessa forma, à servidora, o direito de receber
indenização desde a data da impetração do mandado de segurança até o quinto mês
após o parto.
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