O Globo
A dívida já foi paga, mas o banco volta a cobrá-la dois anos depois. Embora o
cliente tenha antecipado parcela do empréstimo consignado, o banco não informa à
fonte pagadora e o valor é novamente descontado do salário. Quitou o valor total
da fatura do cartão de crédito com alguns dias de atraso, e o banco cobrou por
crédito rotativo, além dos juros. Esses são exemplos do principal problema no
relacionamento entre clientes e bancos identificado pela Associação Brasileira
de Defesa do Consumidor e Trabalhador (Abradecont): cobrança indevida. O
levantamento, feito com exclusividade para o GLOBO, foi baseado nas reclamações
que chegam à associação e em pesquisas nos tribunais e órgãos de justiça do
país.
Reclamações sobre cobrança indevida por parte dos bancos também correspondem
à parcela significativa das demandas que chegam ao Banco Central (BC), órgão
regulador do sistema financeiro. Segundo levantamento do BC, de julho de 2014 a
março de 2015, cobranças indevidas de tarifas somaram 6.421 reclamações.
Praticamente a metade (2.953) são por serviço não contratado.
De acordo com a Abradecont, as cobranças indevidas mais frequentes estão
relacionadas a seguros e serviços não contratados ou compras não realizadas,
descontadas na conta corrente ou na fatura do cartão de crédito.
— Não há como afirmar a existência de má-fé nestes casos. Mas podemos dizer,
categoricamente, que há sérios erros de logística nas instituições financeiras —
afirma Carlos Eduardo Souza, advogado da Abradecont.
COMPROVANTES DE PAGAMENTOS
No Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) do
Ministério da Justiça —que reúne reclamações que chegam a mais de 600 Procons em
todo o país —, a cobrança indevida foi o assunto mais reclamado do ano passado.
Foram 884.052 queixas, relativas não só a bancos, mas empresas em geral. Na
comparação por setor, bancos são o terceiro maior alvo das queixas, atrás apenas
de telefonia fixa e móvel.
O advogado destaca que é comum dívida já paga ao banco no prazo correto ser
cobrada posteriormente pela própria instituição financeira ou por empresas de
cobrança. Por isso, aconselha o consumidor a guardar comprovantes de pagamentos
por pelo menos cinco anos, digitalizados ou copiados.
O professor José Luiz de Souza Carvalho, morador do município de Miracema, no
Noroeste do Estado do Rio, se viu de mãos atadas ao solicitar um cartão de
crédito ao gerente de sua agência e ter o pedido negado devido a “uma
pendência’’. O banco não confirma, mas ele acredita tratar-se de dívida que vem
sendo cobrada de um outro cartão de crédito emitido em 2008, que ele não
solicitou e sequer recebeu em casa. O débito atual é de R$ 3,6 mil, e a cobrança
está sendo feita por uma empresa terceirizada, que ameaça colocar seu nome no
Serasa, conta Carvalho:
— A cobrança diz que se eu pagar R$ 800 fico livre da dívida. Pedi à
atendente que me enviasse o contrato do cartão, mas ela diz que não tem acesso.
Solicitei, então, que mandassem minha reclamação ao banco.
O banco só entrou em contato com Carvalho depois que ele procurou a Defesa do
Consumidor do GLOBO. Mas a questão não foi resolvida.
— O banco não me dá uma explicação clara, e já estou conversando com um
advogado para ver como resolver — diz professor, que não descarta ir à
Justiça.
Segundo a economista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
Ione Amorim, o maior problema é que, ao pedir a revisão da cobrança indevida, o
consumidor terá dificuldades de argumentar, porque dificilmente foi bem
informado sobre o contrato ou recebeu todos os documentos que deveria:
— Todo o processo de crédito e renegociação de dívida deve ser documentado,
para que o consumidor possa comprová-lo e tenha segurança jurídica em caso de
questionamento.
PROVA DA DÍVIDA CABE AO COBRADOR
Qualquer divergência identificada na conta corrente, como lançamento de
tarifas não contratadas, desconto de crédito não solicitado ou desconto de
dívida já liquidada, deve ser informada pelo consumidor ao SAC do banco, que tem
cinco dias, de acordo com lei federal, para dar resposta. Se não for
satisfatória, deve procurar a Ouvidoria, o Banco Central ou um Procon. E, em
último caso, a Justiça.
Se o consumidor perdeu o comprovante de uma dívida que está sendo
questionada, é dever do banco provar a falta de pagamento, não o contrário.
Principalmente se o comprovante foi emitido em papel termossensível, que é
aquele utilizado nos terminais de autoatendimento e tem baixa durabilidade. Se a
operação foi feita por meio da conta bancária, o banco deve rastrear o sistema
para identificar o pagamento. Se a dívida foi terceirizada, a empresa
responsável deve enviar os comprovantes ao banco.
O Banco Central, informou, por meio da assessoria, que questões relacionadas
à legislação de proteção ao consumidor são tratadas pelos órgãos do Sistema
Nacional de Defesa do Consumidor. Quando recebe uma reclamação na qual constata
indícios de violações ao Código de Defesa do Consumidor, o BC comunica a
Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). A Federação Brasileira de Bancos
(Febraban) não comentou os casos específicos, mas orienta o consumidor a,
primeiramente, manifestar a insatisfação ao gerente da própria agência. Em caso
de negativa, deve entrar em contato com o SAC ou a Ouvidoria do banco.
Foi o que fez terapeuta Anna Vasconcellos ao ver em sua fatura de cartão uma
cobrança de crédito rotativo que nunca fez:
— Paguei a fatura de abril com dois dias de atraso, mas quitei o valor total.
Por isso questionei. Além da cobrança de três tipos de juros, fui obrigada a
pagar por uma opção que não usei. Após ouvir do banco várias versões para
explicar a cobrança, Anna procurou o GLOBO e o problema foi resolvido em pouco
tempo:
— Achei absurdo pagar pelo que não utilizei.
PROBLEMAS E SOLUÇÕES
COMPROVANTE: Cliente pagou a dívida, perdeu os comprovantes
e o banco está cobrando novamente.
O que fazer: Documentos originais devem ser guardados por
cinco anos. Mas, se o consumidor não os tiver guardados, pode ingressar na
Justiça, com base no Código de Defesa do Consumidor, e requerer a inversão do
ônus da prova. Ou seja, o banco é quem terá de provar que o cliente não pagou o
empréstimo.
VALOR ALTO: Renegociou uma dívida, não conseguiu quitá-la
por completo, e o novo valor cobrado é muito superior ao débito em aberto.
O que fazer: Neste caso, a instituição financeira deve
chamar o devedor para uma nova negociação, para extinguir a antiga dívida e dar
lugar a uma nova. O que não é permitido é o banco fazer uma renegociação
unilateral, sem consultar o consumidor. Neste caso, o cliente pode requerer
judicialmente uma indenização.
DÉBITO INDEVIDO: Cliente de banco teve um débito não
autorizado feito na conta corrente ou poupança.
O que fazer. Tanto o débito em conta-poupança quanto o em
conta corrente só podem ser feitos com o consentimento do titular da conta. Do
contrário, o consumidor poderá ingressar na Justiça para ser ressarcido e buscar
compensação moral pelo dano sofrido.
DUPLA COBRANÇA: Conta de cartão de crédito já paga é cobrada
novamente. Consumidor tem o comprovante. Cabe indenização?
O que fazer: Cada caso é um caso. Em princípio, a mera
cobrança por uma dívida já paga não gera qualquer indenização. Mas se essa
cobrança causar constrangimento, como ser cobrado no ambiente de trabalho ou ser
negativado ou inscrito no SPC ou Serasa, cabe ação indenizatória.
PAGAMENTO FEITO: Cliente já pagou os empréstimos
consignados, mas os descontos continuam vindo em seu contracheque.
O que fazer. O consumidor deve procurar resolver com a
instituição financeira que concedeu o crédito. Se o banco não facilitar, deve
entrar com ação judicial.
DESCONTO EM FOLHA: Trabalhador teve descontado, em seu
contracheque, empréstimo consignado que não fez.
O que fazer. Deve procurar saber qual instituição está
realizando o desconto e entrar em contato, anotando o nome dos atendentes e
protocolo. Caso não resolva, deve comunicar à fonte pagadora, ou seja, ao órgão
que emite a folha de pagamento e autoriza o desconto.
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